segunda-feira, 13 de julho de 2009

HALLELUCINATION'S BOULEVARD III

O HAIK-HÁ

Tipo de poema de forma fixa formado de 33 sílabas distribuídas em três versos hendecassílabos, metricamente bem marcados. O haik-há deve conter pelo menos um verbo "haver" na 3ª pessoa do singular no presente do indicativo. O gênero foi imortalizado pelo grande poeta Marat em sua banheira de espanto, no final do século XX, inspirado pelas alquímicas enumerações do poeta Arthur Rimbaud. No Brasil, Bertoro Sebas, profundamente influenciado pela poética marginal da década de 70, houve por bem esgangalhar o haik-há, desmantelando sua forma fixa.
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AS DUAS PALAVRAS
Há duas palavras acesas
Uma para São Jorge de Lima e outra para seu bucéfalo
Agora vá ao dicionário.
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À PORTA
Há uma rua indizível
Há uma cidade sem nome
Há um silêncio negro no centro do alvo.
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ENTRO NA VILA, CHEGO EM CASA E ABRO A PORTA
Há uma vaca no meio da sala
Há um ovo aceso dentro do cinzeiro
Há uma mulher que não sai da minha cabeça.
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CORTANDO O BARATO
Há 100 metrônomos dentro de um minúsculo banheiro
Há uma violoncelista nua tocando com paixão
Deixaram o chuveiro aberto.
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SIGO LOGO EXISTO
Há o flanar augusto dos anjos rebelados
Caminho ébrio
Por um fio da meia-noite.
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CÁPITULO XI
Há uma velha, a prestidigitadora,
Mãe de Penélope Simoni.
Há um enorme consolo embaixo do travesseiro.
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EXEMPLO DE COMPOSIÇÃO DILACERANTE
Há um casal de passarinhos:
- Tem o Bolero de Ravel?
- Não, tenho o Adagio Assai do concerto para piano e orquestra em sol maior.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

HALLELUCINATION'S BOULEVARD VI

Segunda vida. Invirtual. O mendigo toca o seu trompete e todos os postes da rua dobram-se lascivamente em reverência à melodia insurgente. As jovens viúvas encolhem-se nas coxias. Mtume se junta ao trompetista. Mtume batucando o seu tambor de conchas natalinas. Mtume faz, luzente, gatimonhas meteóricas. Mtume não é Mtume. Mtume em erupções vulcânicas é uma sucessão de gritos vítreos. Mtume introduz-se no rabo de uma locomotiva. Algumas horas depois, a máquina o defeca. Eu sabia! Não é Mtume...MARAT está de volta, para a surpresa de todos. Ei-lo na escuridão. Marat ressuscita em sua banheira de espanto e traz consigo uma dúzia de fêmeas buzinudas que logo se põem a chocar enormes ovos de poesia. Em um dos ovos se lê: Enza Pound. A sombra de Marat arranca imponderante as pedras do calçamento...
Sua boca desperta as mocinhas do amem...
Seus olhos seguem o traseiro daquela que nos emborca...
Seus tentáculos estupram as rosas noturnas...
Seus botões falam com Deus.
A noite permanece a esconder todos os répteis da infância. Aquela que nos emborca ri. Como sei que é elA? Aquele risinho irônico é inconfundível. Além do mais, Ulisses já a viu. Ele a conhece melhor que ninguém, afinal dizem que os cães veem coisas. Meu vira-lata me acompanha desde que me entendo por poeta, mas raramente costuma a aparecer. Marat acena e entreturva-se na escuridão luxuriante de sua longa túnica existencial. Segue-o, a morte. A morte e sua foice e seu martelo moles...É hora de consolar as jovens viúvas! É hora de jogar o entrudo! Mais ou menos assim:
De(ja)vaneios à toa
Destarte os trasgos da Arte
"As diatomáceas da lagoa"
Na boca do santo padre.
Forniquenos numa boa
Aqui, acolá e agora,
Pois aquela que nos embroa
Tá sumindo, já vai embora.
bye.

HALLELUCINATION'S BOULEVARD VII

para Mário Quintana

A lua, gata amarela, salta a janela gradeada e fica, imóvel, sobre minha cama, chamando-me com sutis piscadelas.

terça-feira, 7 de julho de 2009

HALLELUCINATION'S BOULEVARD I

"É o mundo das aparências
que às vezes costuma ser o mundo da realidade
aquele que nos enforca
Ou nos faz rir de alegria."

Enrique Gómez-Correa

Aquela que ri nos embola manga encardidamente
Rua o eterno recomeço
a luz esticando minha sombra elástica
torre: balem ferros distorcidos pelo vento
meu coração madruga um sopro
talvez a mesmoutra harmonia
ínfimos improvisos
uma esquina morta esponjosa
engolida pelos olhos do mendigo de plástico
amarelo-outrora e ex-arcanjo
lua giratória sobre minha vez estátua
sem praça sem mãos flutuandando...
gritam trompetes retorcidos
casas insuspeitas panos nos espelhos
dedos devorados por lembranças famintas
sim, "coelhinhos vomitados" pseudopessoas fuliginosas
tatuachadas pela insônia
seto sem dizer absolutamente coisa nenhuma
apenas vencendo o tempo/adiando o alvo
uma mão afônica puxa minha língua silenciosa
postes quedantes passo a passo semáforos
o fim da rua signifinca uma estaca de nicotina
em meu coração.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

FORA DO ESPELHO

O sofá continua no mesmo canto. A dona jamais o venderá ou fará qualquer negócio com ele. Oh trevo mutilado! Extremidades!... O móvel pemaneceu imóvel durantes décadas até a chegada incongelável de Jocrulo. O animalzinho adorava afiar as garras, antes do nascer e pôr do sol, no pé do sofá. Mapa-múndi e murmúrios. Assim, todos os dias, o móvel estava em um local diferente, eu, vez ou outra, deleitava-me com jogos de futebol, melhor dizendo: enquanto Cristiano Smiles executava dribles desconcertantes e exibia com orgulho aquele penteado estapafúrdio, copiado pela metade dos pirralhos do mundo, afogava-me nos meneios magacotrofianos de uma fragata chamada Calipígia Smiles. Gostaria que o leitor tivesse a oportunidade de conferir o que digo... Basicamente três instantâneos: as peripécias de Jocrulo; as possibilidades do sofá e os intumescentes "improvisos" de Cali. Loucura! Comenta-se que ninguém nunca se sentou na peça e que por esse motivo muitos, até hoje, mesmo depois de um tabassi, questionem sua verdadeira utilidade. Apesar das calorosas discussões, o móvel continua "inssentável" ainda que suas formas arredondadas sejam irrecusavelmente convidativas. Certo dia, Jocrulo, em uma de suas proezas ignívoras, sentou-lhe quase uma labareda: a língua de fogo lambeu-o inteiro e deitou-se no tapete. O estrago foi grande. "O sofá talvez tenha sido coberto com o mágico forro com que se cobre os sonhos" - zombavam os coelhinhos manchados de vômito. Já os fradinhos-de-mão-furada preferiam brincar com Jocrulo enquanto viajavam nas formas irrecusavelmente convidativas de Cali e nos voluptuosos fraseados (cavidades maternas) de sua clarineta. Mas, para a imensurável tristeza de todos, Jocrulo bateu asas e verdevoou em turbilhão. Nenhuma fotografia, apenas o mapa-múndi derretido. Sem despedidas, sem norte, sem lágrimas... Apenas o notável Reginaldo, o único anão no mundo que se regozija em usar terno branco em dias de chuva, conseguiu vê-lo "dentro do espelho".
Trilha sonora: The Complete Works For Clarinet (Giacinto Scelsi)