segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

LEMBRA-TE DE ESQUECER

OU A NOVA VESTE DA BELA ROSINE
OU AINDA MULHER NA LINHA A PROCURA
DA "RUE PAUL DELVAUX"

sábado, 8 de dezembro de 2007

OPERAÇÕES AÉREAS

O homem sério guiado pela lua colhe elipses, procura sentidos abracadabrantes, objetos relativos, algumas palavras e outros blecautes. Profere silêncios ultrajantes. Observa o cavalo longínquo, eleito senador, comendo moedas e vivendo de aparências, enquanto o parque repousa no horizonte do maquinista e lentamente escorre sangue pelos braços das antigas moradas do sol. Sepulturas encolhidas pelo frio. Memória da camarilha. Personas fascinantes, vagiconas faiscantes (de omnibus est dubitandum). O sol brilha! Tudo passa e o sol brilha automaticamente, risca o elmo do templário inavistável. No exato momento em que soldados da atualtiguidade se apunhalam eternidade adentro. Nunca morrem, são heróis; são desertos incontestáveis. Nunca acabam, buscam eldorados e nada mais. Um títere parido pela medonha industrial no labirinto da madrasta, Não é herói, tampouco bandido. É pouco. Descabelo, coberto de luto, vazante, Orfeu devorado por uma vagicona aconchegante; por operações aéreas do eternamente sentado. O homem sério invoca a musa, a lâmpada de dois gumes. Arremessa dardos numerados pelo lanceiro celestial. Olha. Cada passante é um número; cada ouvinte um bom pedaço de carne; cada palhaço um naco do espetáculo. O homem sério, sob a tutela de Hermes, prepara uma palavra, senta-se junto ao copo com água enquanto ardente. Toca o peixe fora d’água que luta desesperadamente contra a arquitetura do tempo; o perceptível avanço do início; a infância, o pai morto e o monstruoso busílis. Grita uma palavra mágica que abre as partes carnosas da operária despida, estendida, num golpe de vista, com seu ventre repleto de náufragos, tempestades e uma harpista. Todos resistem à beira de uma fonte chamada equilíbrio. Sua imaginação não perdoa. Aurora intransponível. O títere (inerme nudique) ri à toa na vida e aposta nos cavalos do carrossel, procura a tatuagem da menina-dos-olhos-do-rei que voa pelo seu corpo esguio. A pequena borboleta atrai os desnorteados, os transeuntados, os administradores de cristo, êmulos, amigos facundos. Todos se aproximam da fera florífera e levantam a festa. Ao passo que, no compasso da sonata para piano preparado, vagassonantemente, o mar ergue estátuas sentimentais. Estas, sempre atrasadas, sofrem de pensamento. Faz manhã no pensamento. A manhã degola as estátuas enquanto elas celebram a vida. A vida persegue o pensamento, cheia de variantes sobrepostas, abraça os cactos amorosos... De quando em vez o pensamento cai no mar e aí é outra história. O mar (vieil terrible) abre suas asas, talhando o destino de todos afogados. Inexplicável mar, aberto e febril; sem dialogo, mar em todas as direções. Mar de cascos gastos, de conchas enlouquecidas na cozinha por enormes falos-do-mar, de beldades efêmeras com todos efes-e-erres que bóiam de bruços, sereiam aBUNDAntes. Seus seios escrevem bilhetes desmedidos. Esguicham leite para desertores de todas as guerras, levantam-lhes lácteos monumentos de vida. Seus peitos, insuspeitos, chamam a voz do abismo: admirável na arte de persuadir poetas (genus irritabile). Às vezes, o pensamento viola túmulos e tumultua tudo. Escapolem mil marmotas: pessoas que copulam sedimentadas feitos guinchos, deixam de ser penitentes para flertar com os olhos azuis de deus. Fantasmas que só se encontram em motéis baratos, se banham com parafusos, se perdem na selva dos bisturis e se acham no pequeno quadrado da dor. Mistérios nas reentrâncias do concreto; olhos que espiam com entranho ar de fauno; sustos de zíper quando amanhece morrer. Gente que não é ente querido ou maldito é sombra pelo avesso, relógio de pele nua que se mistura à penumbra das setas indicadoras por causa do agradável rótulo de uma suposta felicidade. A pequena borboleta desliza pelo corpo da menina-dos-olhos-do-rei que teoricamente sonha e dorme acordada e fala durante o sono e desperta adormecida por uma voz fálica. Entre suas pernas desabrocha uma flor negra, alerta, específica, silenciosa como copos emborcados, úmida, autodidata, ensoberbecida, fulminante como o miosótis que despedaça embarcações; a exalar odores lascivos, a espera do íncubo, o louva-a-deus secreto, para em seguida, em ferocíssimo gozo... decapitá-lo. Hipocrise simiburguesa. O títere acorda ligeiramente oco com a corda toda no osso nu do pescoço. Ri o riso das anêmonas-do-mar; Ri o riso duro do rio que não dorme; ri o riso do ser humano sem ente nem dente; ri com simiburlesca violência o riso amarelo do assalariado assaltado o ano inteiro pela máquina nossa de cada dia.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

MÁRIO E OS AUTÔMATOS

Para Lenildo Gomes

Ouvem-se apenas os mugidos dos moscas na livraria. De repente surge a figura esquiva do poeta Mário Gomes gritando ferozmente: “Eu quero é buceta, priquito...” Alguns ficam boquiabertos, mesmo já conhecendo-o, e outros contentes. O gerente diz sorrindo: “Que é isso Mário Gomes, que é isso...” Mas o poeta o ignora e continua: “Xoxota, eu quero é xoxota.”. O gerente, espantosamente pálido, não tem outro remédio senão chicoteá-lo. Vale ressaltar que com muitos acontece nas melhores livrarias. Um padre entra, toma o chicote da mão do gerente e o observa com lágrimas nos olhos, joga-o no lixo. Abre uma maleta e puxa o seu estimado “açoite do suplício” e põe-se a castigar o poeta sem dó nem piedade. Sangue, cacos de vidro, moscas, livros, autômatos (Lembrem-se: um país se faz com autômatos e livros). Mário, completamente abatido estirado na entrada da livraria, escreve no chão com o próprio sangue: XANA! Um juiz brada por silêncio e, com trejeitos simiescos, bate o martelo. Os jurados chegam a um veredicto: consideram-no culpado. O padre? Evidente que não. O juiz, alegando profundo estresse, saca de um revólver e descarrega-o no infeliz. Um minuto de silêncio. Mário se levanta com o corpo crivado de balas; arruma-se, à medida do possível, e retruca: “magote de sicofantas, martelo desgraçado, lugares sempre errados...” E sai como se nada tivesse acontecido.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

SALETE E O AGONIZANTE JOGO DAS INDIVIDUALIDADES


Bossanóia ou todo mundo
tem direito de ser deus

para Saulo Viana


João Gilberto não se perde porque é deus
nhanhanhanzinho endeusimumificado
e tudo volta a ser para sempre a máquina-deus
enquanto a musa voa como um fraseado saxofônico
é o último instante de um banquinho chamado adeus
com nove orelhas instantâneas e o mesmo instante por quatro
sonho
espessura
elástico e
madrepérola

João Gilberto não se perde porque é deus
suas mãos fogem do medo quando amarelam a figura do deus
sua boca engole o barquinho para alegria dos dentes
fúria dos dentes paixão e morte dos dentes...
É noite de São João, espinhos, todavias, carrinhos de bebês,
Velhinhos digladiando-se ao som desta bossa
Ou se preferir conto de fada:

era uma vez uma vez
que de quanto em vez não era
que todos diziam está de vez
ou era a bola da vez
vez verde por sinal semáforo
vez por outra era
não que de vez em quando não fosse
mas que sendo logo deixaria de ser
era uma vez sem vez
uma vez que era parte de um talvez
de alguma forma uma jogada de xadrez
e a banda do açougue desfila diante de um pedaço de vidro
João Gilberto cai do banquinho fica vincado.
moral da história: todo mundo tem direito de ser deus.

sábado, 24 de novembro de 2007

VERDADE E BESTIÁRIO

A verdade é um macaco que não se senta. Ela pertence aos deuses abafados pelo tempo, mas ondula pela cidade como um cínico com uma lanterna na mão em plena luz do dia. Trata-se de um enigma com quatro patas e hábitos rigorosamente sonolentos de bichano, capaz de suportar o desespero do poeta ou entender o amanhecer imóvel de uma simples esfera. A verdade anoitece entre as aves cuculiformes e as pequenas pedras que já pertenceram ao mar: anoitece decerto na boca dos homens de olhos vendados e desperta como um relâmpago numa gota de esquecimento, mas não antes de passar de mão em mão. Como um fantasma, está em todos os lugares ao mesmo tempo, branca e calada como o diabo fugindo da cruz. Ela tem os olhos de inesgotável tristeza, a mesma tristeza que se vê numa lâmpada incandescente ou no olhar shakespeariano de um ursinho de melúria. A verdade, algumas vezes, equivale a um tigre que anda livremente pelos vários cômodos da casa e, não raro, é confundido com um dos catassóis do piano. Oportunamente, ao piano, quem a busca perde a conta dos dias. Mas qual a origem da verdade? Certamente não é fictícia. Um piano a engendrou numa vaca, por isso este animal é sagrado em alguns lugares da casa. Há quem diga que a verdade se encontra no interior atávico de um antigo piano e divide o espaço entre as cordas do instrumento com parafusos, pedaços de feltro, uma dúzia de necessidades e um terrível segredo; todos inteiramente entregues aos ensaios de uma tragédia destinada a ser encenada por detrás da cortina. Os acordes dissonantes, produzidos durante os ensaios, em certas horas da madrugada, muito agradam a todos; principalmente, aos cucos e ao escritor Julio Cortázar.

sábado, 10 de novembro de 2007

QUEM SÃO ESSAS PESSOAS NA SALA DE JANTAR?

Disse certa vez o encontro ser dos espectros:
- O vento furioso das violetas entrou com muito amor pelas janestras da meu pensamento. Planou possível sobre os jazzminados campos de minh’alma E eu lhe respondi com infância. Adoráveis artefatos explosivos, bombufágicas, omatobombas, cada uma a seu tempo, desatinavam a manifestar-se. Eu, saxtenado, um cercado de lírios e naipes de rosas metálicas em tenor momento e objetos que, ainda hoje, batem as asas e colibrilham encravados no corpo da estante. Inconfundível e único um fraseado de John Coltrane embaraçava as pessoas na sala de jantar porque elas não eram mutantes em noite portenha, mas sofriam do terrível hábito de roer uns aos outros. Mais uma vez o papa quebra a orelha do protocolo para anunciar um asno. Mas os asnos preferem os ramos ao ouro (segundo Heráclito) e o papa imóvel não.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

PARAÍSO DO FAUNO


desenho: Roberto bessa

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Chá de Mandraca com Hegel


desenho: Roberto Bessa

terça-feira, 23 de outubro de 2007

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

PANTEÃO DA ORDEM DOS MANEQUINS OBSEDANTES

Os manequins mais complexos da intempérie procuram o ponto de epifania nas infinitas máscaras do consumo. Superposição de cinqüenta e nove realidades numa posição desconfortável. Homem-mapeado, mulher-sem-espelho, criança-quase, família-monstruário deslizando pelo shopping: bonecos de um mundo inflável, infinitamente enfeitados em bizarro poente nos bicos das lojas de departamento. São carregados, pelas autoridades competentes, de qualquer forma ou de forma quadrada. Fingem sentados, às vezes, que estão dentro da igreja (uma das realidades) e talvez observem o silêncio de cada um contra todos os silêncios, ou, quem sabe, o silêncio de todos na boca tardia de cada um. O certo é que, todos estão devidamente afogados na acidez cotidiana dos grandes espaços; todos estão aos pés do todo-silencioso cujo testemunho os faz tremer calafrios; estão todos nas mãos de Moneda cujo cheiro os faz sorrir desavergonhadamente.Corpos inteiros ou pela metade da existência plastificada; completamente desprovidos de intimidade, mas completos no ritmo do bate-estaca.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

PORTRAIT IMAGINAIRE DE MALDOROR


Ao nascer degolou o galo com o cuspe
Atropelou o estendido na rua do mamilo
Fez um meticuloso sinal-da-cruz
Com suas mentirosas mãos de coisas mofadas
Após o farto repasto fritou o mestre-sala na avenida
E num sismo de olhos sob a vertigem azul
Devorou a rainha da bateria
Pôs zíperes no pequeno gemido da tarde
E nos grandes lábios do anoitecer
Morreu quando percebeu o rio dento do relógio
Deixando sombras tetraqueridas
Para que retornassem o galo degolado
Para a nova mesmigual decoração do dia seguinte

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

EXECUÇÃO DO BUSTO ANÔNIMO

collage por Roberto Bessa

sábado, 6 de outubro de 2007

VERDADE INSTÁVEL NO REINO DE GADAN

Acontece que, pela manhã, entre cenários e figurinos que movem o juízo de qualquer um, o sol mostra-me os dentes, esmurra meu rosto óbvio e o sono cai longe. Cai como quem cai de uma gigantesca bicicleta de verão, perto do desencaracolar do dia; cai nas proximidades de um espelho que se enrosca para o bote. Uma verdade enquanto me vejo completamente sem usura e me faço visagem: minha barba explode vertiginosamente. Resgato a distância em águas que já não deslocam moinhos; arrasto pesadas lembranças pelos arredores da antiga morada, em busca das curiosas fotografias reveladas pelo processo de esquecimento, mas só me restam teias e algumas pancadas de chuva. Foram-se as cores, apagou-se o tempo. Fundamentos fetais, emaranhados fatais... É uma enorme aranha que salta de minha cabeça. Ei-la, adorável cerebracnídea, bola de pelos negros com infinitas patas, que me presenteia com um biscoitinho da sorte: “o presente ausente das futuras interrogações encontra-se no passado pesado”. A vida está cheia de inevitáveis reminiscências desse tipo.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

O incólume

Tentava o incólume além do cavalo mudo.
a figura do céu tentava ainda sondar o morteiro,
concorrendo com as pontas dos dedos do parque.
o pôr-do-sol ostentava seu elmo transfigurado,
improvisando o silêncio com seus braços longínquos.

ao atear-se fogo a doce Rosa repousava na lâmpada.
a súbita fisionomia do poeta Régis Bonvicino tentava
captar o muro que pousava no jardim.

uma garota ruiva com aparência de seiva,
apunhalada pelo suave terror do parque
tentava alcançar seus próprios dedos

e o horizonte, com enormes cabelos,
tentava aquietar o imprevisto
e as demais coisas tentadas.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Recordation boulevard

Para o poeta Egelane Damasceno
DIA MUI DADA (16 de junho do ano insano de 1999)
Pergunte aos meus 7 sentidos capitais: onde caberia aqui a palavra bordel?
Um deles então lhe responderia: são 02:58 no relógio strawberry do palhaço da perseguição
O mesmo DIZ AMÉM
As perseguidas idem
E O PENSAMENTO SE FORMA JUNTO ÀS ESCULTURAS AFROCALIPÍGIAS
(ver antromorfoses básicas)
Agora é a hora do objeto que cai, Abra a boca e diga dada, desdurma de touca,
coma Dada y sus hermosas nalgas dada traz a pessoa amada e a entrega em domicílio
DadA-se como Pierre Pinoncelli (?) Antirelógios DO FUTURO, Aliás o Futuro a DadA pertence
Quem elo ????? Dinavomite dadá, ruídos verbais, líquidos psicogástricos que caem com o abrimento espasmódico da mente. Dessa forma Pegue um jornal
Pegue uma tesoura
Pegue uma pedra
...lasque-a na tesoura
...cubra-as com o jornal
...PRONTO! O POEMA DEFUNTO
Cada freguês é um pequeno dramaturgo

Ei-lo
Gran Cabaret

Horas perdidas palavras vencidas Novelas novenas alérgicas Nove velas numa esquina
Momentaneamente aérea Fina poeira e poéticas Imperceptíveis sem eira
Nem beira presepadas amenas Míngua módulo optativo
Pré-trepada secreta uma ponte sobre a mesa de sinuca.Cenas-relâmpago,
leite derramado & outros mistérios gozosos
Inquietante beleza e conflito Pensamentos intravenosos Recém-fome em mesa de bar
Significa desabar Mulheres camaleônicas em chamas enregeladas, calipígias
Há pessoas físicas deslocadas Favas contadas velhas fadas defloradas gentes
insuladas facas amoladas & infinitos gumes nesse Gran Cabaret Chamado

a) poesia absurda e muda
b) vida pelo avesso
c) dia qualquer
d) lamron odnum
e) todas as opções anteriores
f) retorno urobórico de Ulisses
g) todas as alternativas posteriores ou eis porque...

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Minhas precárias formigas escondidas...

Minhas precárias formigas escondidas
no grito para entender o deslocamento
sexual da misteriosa mão de uma mulher.
circunstâncias, maçãs penetradas,
frio adormecido, um lugar de medo
para duas pedras exatas e uma xícara de café.
talvez seja apenas uma xícara de café
ou a pouca escuridão reclinada
sobre uma jovem parturiente...
em suas mãos um bouquet de silêncio.

Mário Cesariny a esbofetear respeitáveis hipócritas

Toco fogo num cigarro para começar incêndio
Minha assuada para debilidade geral
Tomo um trago e leio alguns poemas
Para o fantasma que está logo em frente
Parada (frações de) Louvor e simplificação de Álvares
De Campos e outros (em sentido longitudinal) outros
Outros sítios outras vozes em minha cabeça giratória
Pára-brisas estilhaçados Portugal que flutua
Indizível na diminuta distância
Enquanto afasto o mim impróprio do eu exemplar
Mas não importa! O que importa é o repertório
Amoroso das mulheres fixado no meneio
De seus quadris demasiados
É a mudança repentina da direção do vidro
É o enterro dos telejornais
Afinal o que se leva em conta hoje
É a reles imitação do fogo
Reparo na chama sem preço na ponta
Do palito e seu inestimável valor
Então vou ter com as palavras momentos
Contrários ao bom gosto do freguês
Vislumbres da vida que vibrem como vime
Quando viver é tantas vezes apontado para o nada
Dentro do saco sartreano e outras (as melhores) é sentar-se à mesa
Despreocupado tomar um gelada e deitar chamas no papel
Atentar na cara do sujeito dono do bar
Ávido em saber o que tanto rabisco
Enfim Mário Cesariny ou
A noite inexplicável ou o dia aéreo
Diante dos quais os submarinos da mobília
Estancam narcotizados como velhas flautas azuis
Pois bem! Eis a tua mão indormível
Tua mão sai em liberdade a caminhar por
Lisboa desfibrando sombras investindo
Contra todos os pensamentos
Até chegar ora pois no Chiado.
Talvez venha a ser ela possuída
Por um segredo que ensurdece
Talvez venha a ser ela seguida
Pela cona florestal da cabeleireira
Talvez venha a ser ela conduzida
Pela tempestade dos cotovelos
Ou por uma libanomante chamada
Sobekneferu que porcelana nua
Sobre as águas eqüestres do Nilo
O melhor da festa é que uma data de gente
Aglomera-se em torno de tua mão
No instante mais grave do dia
Talvez venha a ser ela a forma mais
Espontânea do soco escultural
A esbofetear com sal e muitíssimo
Gosto as fuças de respeitáveis hipócritas
Gente civilizadamente mecânicas
Padres misaraves milicos a destripar micos
gente de trapaça policos do logro
advorazes juristas agiotas...
Gente bem-educada que escreve
Eternamente com suas mãos duplamente vazias
Enfim Mário Cesariny a esmurrar
A corja do lucro das letras do pensamento fraco
Para em seguida bater à porta da lápide
Finda o poema sem mais nem menos
E o dono do bar me traz outra cerveja

Outra cerveja a rua automóveis
Atropelam Sombras que ficavam
À mesa do passado
Desperta o póstumo QUE
Enquanto surreais levam tua mão
Para o dormitório entre duas estrelas
Finalmente fico a dever-te um fim
Um final como quadros ou palavras
Que quedam de quando em vez
E se misturam com pedaços de chão
Restos de noites
E são liquidificados pelo tempo
E se erguem gatos
(animais que esfigem viajantes edipingados)
Uma cena como esta não pode ser
Absorvida pela morte mas
Somente por aqueles que vêem
Um infinito QUE dentro da amendoída
Casca de cada QUE humano